terça-feira, 18 de dezembro de 2012

REQUIÉM PARA UMA CIDADE CHAMADA NATAL


REQUIÉM PARA UMA CIDADE CHAMADA NATAL
(Por Paulo Araújo) PS: o texto é longo, mas talvez valha a pena ser lido

Nos últimos quatro anos, desde que voltei a morar em Natal, sempre aproveitava este período para convidar os amigos espalhados por esse mundão para passar alguns dias de férias na nossa cidade. O convite sempre seguia acompanhado de fotografias, informações, novidades, dicas, enfim, coisas boas para se fazer em dias de descanso, tendo esse céu e este mar que só existem por aqui. E dicas de quem mora e vive na cidade, como sabemos, são sempre as melhores, em qualquer lugar do mundo.

Este ano, no entanto, sinto-me na obrigação moral de aconselhar a esses mesmos amigos, com toda sinceridade de outras vezes: não, não venham para a capital potiguar. Planejem outro destino para suas férias coletivas, encontrem outra paisagem, busquem outras praias, outros nascer e por do sol.

E sintam-se, como nós, moradores de Natal, órfãos de uma cidade que está se esmagalhando diante dos nossos olhos, com suas entranhas mostradas todas as semanas em reportagens no Jornal Nacional, da TV Globo, sem que ninguém faça nada, absolutamente nada, para salvá-la do precipício em que caiu.

Oficialmente, Natal está em Estado de Calamidade Pública, decretado há menos de um mês. Na vida real…as aulas das escolas municipais foram suspensas no final de outubro, por falta de dinheiro para merenda e pagamento de professores terceirizados e auxiliares. A saúde agoniza em postos fechados. Em mesmo de 45 dias,  três pessoas “assumiram o commando”  da cidade. Esta semana, para estupefactação geral da população, já tão em choque, os salários de prefeito e vereadores foi reajustado em quase 80% e bate agora a casa dos R$ 22 mil reais.

Mas vamos lá, ao propósito desse texto…

Vamos começar a nossa viagem de tristeza pelas praias, sonho de consumo maior de quem passa o ano engravatado, encastelada num salto alto, preso a uma rotina de um escritório. Quem não sonha com um banho de mar em Natal? Nossa água quente, em qualquer horário do dia e da noite, uma verdadeira sopa, é inesquecível.

Pois saibam: nossas praias urbanas, no entorno de Natal, pelo menos no tocante aos calçadões, estão horríveis, impraticáveis. Fico morto de vergonha ao ver as entrevistas na TV dos turistas, arrasados e decepcionados como que encontram aqui, desavidados ainda pelas agências de viagens.

Nada, absolutamente nada foi feito para remover os escombro, sinalizar os buracos, arrumar a orla urbana de Natal desde que tudo ruiu com as marés arrasadoras de julho. Um mau cheiro insuportável, amplificado pela falta de banheiros públicos ou chuveiros na orla, contribui para que os nossos calçadões, antes ponto de encontro para uma cerveja, um picolé, um papo, se tornassem os lugares mais sujos e menos agradáveis de se ficar nas férias.

A falta de vigilância sanitária nas barracas, de fiscalização dos ambulantes e do controle de som fazem da ida à praia uma experiência extremamente desagradável. Contam-se nos dedos os natalenses que hoje pegam os seus carros ou ônibus e vão desfrutar de um fim de tarde em Ponta Negra, praia que sempre foi a preferida, a mais amada, o nosso cartão-postal maior. Primeiro, o infame turismo sexual expulsou os locais, enojados das práticas que se viam ali. Agora, a o total enojamento de quem já viu a beleza daquela praia no passado e o estado em que está hoje não permite nem a paragem do carro.

Em resumo, as praias urbanas de Natal morreram no sentido de darem prazer e de serem lugares de lazer e de convivência agradáveis.
Para quem chega à cidade de avião ou carro, o espetáculo de tristeza já começa na BR 101que liga Natal à Parnamirim, município onde está o aeroporto. Nossos canteiros centrais, antes um orgulho local comparável a outros marcos do turismo que faziam os visistantes já pararem ali para fazer uma foto, estão secos, esturricados, cobertos de lixo, relegados ao abandono tal qual o jardim de uma casa abandonada.

Natal sempre foi uma cidade florida, verde, radiante. Está com todos os canteiros secos, como se a paisagem tivesse sido transferida para o sertão. Nunca vi, nesses últimos anos todos, um carro-pipa com algum jardineiro regando os canteiros.

No asfalto, o festival de buracos, de defeitos na pista, de emendos de rompimentos provocados pelas chuvas de julho e ele, claro, um engarrafamento dioturno na entrada da cidade dão o sinal de que a mobilidade urbana também caminhou para uma quase imobilidade. Um grande viaduto, planejado há anos para desafogar o trânsito na entrada da cidade, não sabe-se porque não foi feito. Em breve, mais de 15 edifîcios serão entregues no entorno.

Natal é uma das doze cidades-sede da Copa de 2014, certo? Pois a única informação sobre isso, nesse momento em que o turista está entrando na cidade, resume-se a um discreto relógio - na verdade um outdoor colado em pé em posição vertical – com a contagem dos dias que faltam para o mundial. Pouco mais de 500! Nada, além disso, sinaliza que dentro de um ano e seis meses seremos vistos por 6 bilhões de pessoas ao redor do globo. Na-da, absolutamente nada.

Dentro da cidade mesmo, em si, o festival de sujeira e de buracos no asfalto é aumentado em proporções inacreditáveis. Temos um viaduto no centro da cidade interdidato há três meses, sem ninguém conseguir dar um diagnóstico de que ele vai ser demolido, liberado, ou esquecido por lá.

Um pórtico que simbolizava o céu, o sol e o mar na chegada à Ponta Negra, erguido quando a cidade completou 400 anos, em 1999, foi desmontado por causa do perigo que representava para os carros e não se sabe do destino das suas peças enferrujadas.
No entorno da rodoviária, famílias inteiras de sem-teto estão aproveitando a proximidade do Natal, quando os corações ficam mais sensíveis, e erguendo barracos de Madeira no canteiro exatamente ao embarque e desembarque de turistas. Uma cena inacreditável, acrescida da sujeira e do mato que tomaram conta do lugar. A avenida que dá acesso a rodoviária é uma das campeãs de buracos na cidade.

Os quatro marcos arquitetônicos projetadas por Niemeyer na cidade estão caindo aos pedaços, abandonados. O arquiteto brasileiro mais louvado presentou Natal, vejam só, com um Presépio em forma de praça, um papódromo onde João Paulo II celebrou uma missa nos anos 90, o mirante de um parque que foi inaugurado em 2008 e depois fechado e o marco inicial da BR 101, no município de Touros.
Todos, absolutamente todos esses monumentos estão sem condições de figurar numa fotografia de lembrança de um visitante. O Presépio, que deveria ser o símbolo máximo da cidade nessa época e durante todo o ano, dado o nosso Nome, foi usado algumas vezes para feiras de artesanato e hoje está abandonado. Um Presépio, desenhado por Niemeyer, construído numa cidade chamada Natal, não está sendo utilizado com o propósito original. Aliás, com nenhum propósito.

Falando sobre o lado cultural, não há qualquer programação natalina planejada para encantar moradores e visitantes neste final de ano. O Auto de Natal, espetáculo ao ar livre realizado desde os anos 1960, foi cancelado. A decoração natalina, que deveria ser um marco nacional,  uma vez que o nome da nossa cidade é Natal e seu aniversário comemora-se no dia 25 de dezembro, é uma pífia repetição do que já se viu em 2010 e 2011. Coisas horríveis, de mau gusto, nem um pouco à altura do nosso nome e da nossa história, estão penduradas em árvores, esperando ansiosamente o dia 6 de janeiro para voltarem para suas caixas.

A Fortaleza dos Reis Magos, primeira construção na esquina do país para proteger a nossa costa, onde está guardado o primeiro marco português afixado em nosso Brasil, encontra-se num estado de abandono de fazer dó. Folhas de ofício com informações sobre as salas descolam-se das paredes sob ação do vento e da chuva. Uma parede próxima ao banheiro foi revestida de cerâmica. O acervo, riquíssimo, encontra-se em estado de abandono que qualquer apaixonado por história ou restauração tem calafrios.

O Museu Câmara Cascudo, depositário de grande parte da história do nosso estado, está fechado, para reforma. Fechada, mas sem previsão de reforma ou coisa que o valha está a Biblioteca Pública Câmara Cascudo, dona de um acervo maravilhoso que serviu a gerações e gerações de estudantes, inclusive este datilógrafo que vos escreve. No próximo sábado, por iniciativa única e exclusiva de artistas que não deixam a peteca do ânimo cair, Natal vai ter a sua I Virada Cultural, no bairro da Ribeira.

A Ribeira, por si só, já valeria uma tese de doutoradp em antropologia sobre o abandono planejado de um sítio histórico. Nosso Segundo bairro mais antigo, local onde nos anos 1940 o mundo inteiro se encontrou por causa da II Guerra Mundial.  Dezenas de casarões abandonados, uma rampa onde os hidroaviões pousava e decolavam eternamente prometido para ser transformado em museu. Becos e vielas sujos. Mas uma meia dúzia de pessoas apaixonadas, resistentes, que sonham com o renascimento daquele que pode ser, um dia, um dos melhores bairros para se viver e se consumir cultura de Natal.

Plenamente restaurado, seria dez vezes mais lindo do que Puerto Madeiro, em Buenos Aires, do que a sua irmã Ribeira, em Lisboa, encantadora como Olinda ou o Pelourinho, em Salvador. Mas não: a Ribeira, entra década e sai década, e cai cada vez mais aos pedaços. Durante o dia, não há uma vaga de estacionamento, provando que economicamente o bairro vive. A noite, a boemia resiste, bravamente. Triste, triste…

***
Quando a gente vai a um médico, doente, o primeiro passo para o tratamento é o diagnóstico. Muitas vezes dolorido, como esse relato acima. Natal encontra-se assim: doente. Não há exagero nas tintas. Ao contrário: há uma preocupação de um natalense de adoção que só cresce, aliada ao desejo de que a cidade volte a ser, não se sabe quando, a capital mais linda do nordeste, agradável, que já atraiu tantas pessoas que se mudaram para cá, e outras que vem de férias e voltam com lágrimas nos olhos, encantadas e desejosas de ficar.
Quem mora aqui e vive o dia a dia da cidade certamente assina embaixo esse relato.

Neste fim de nao, portanto, não há motivos para desejarmos Feliz Natal, pois a nossa cidade, Natal, está triste, machucada, amassada feito um papel usado, com a auto estima jogada numa das centenas de sacolas de lixo que suas ruas exibem. Muitas pessoas não tiveram ânimo de sequer pendurar iluminação natalina nas fachadas das suas casas. Numa cidade chamada Natal, durante o período natalino.

Mas nós temos a esperança de que Natal vai renascer, impulsionada pelo desejo das pessoas que a amam e a querem bem, verdadeiramente, pois como cantou Pedrinho Mendes na canção “Linda Baby”, nosso hino extra-oficial:

“Esta é uma terra de um Deus-Mar. De um Deus-Mar que vive para o Sol”.
E os deuses, como a gente sabe desde a Antiguidade, nunca nos abandonam.

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